domingo, 27 de abril de 2008

amigos meus

Ah, meus amigos, não vos deixeis morrer assim... O ano que passou levou tantos de vós e agora os que restam se puseram mais tristes; deixam-se, por vezes, pensativos, os olhos perdidos em ontem, lembrando os ingratos, os ecos de sua passagem; lembrando que irão morrer também e cometer a mesma ingratidão. Ide ver vossos clínicos, vossos analistas, vossos macumbeiros, e tomai sol, tomai vento, tomai tento, amigos meus! – porque a Velha andou solta este último Bissexto e daqui a quatro anos sobrevirá mais um no Tempo e alguns dentre vós – eu próprio, quem sabe? – de tanto pensar na Última Viagem já estarão preparando os biscoitos para ela. Eu me havia prometido não entrar este ano em curso – quando se comemora o 19640 aniversário de um judeu que acreditava na Igualdade e na justiça – de humor macabro ou ânimo pessimista. Anda tão coriácea esta República, tão difícil a vida, tão caros os gêneros, tão barato o amor que – pombas! – não há de ser a mim que hão de chamar ave de agouro. Eu creio, malgrado tudo, na vida generosa que está por aí; creio no amor e na amizade; nas mulheres em geral e na minha em particular; nas árvores ao sol e no canto da juriti; no uísque legítimo e na eficácia da aspirina contra os resfriados comuns. Sou um crente – e por que não o ser? A fé desentope as artérias; a descrença é que dá câncer. Pelo bem que me quereis, amigos meus, não vos deixeis morrer. Comprai vossas varas, vossos anzóis, vossos molinetes, e andai à Barra em vossos fuscas a pescar, a pescar, amigos meus! – que se for para engodar a isca da morte, eu vos perdoarei de estardes matando peixinhos que não vos fizeram mal algum. Muni-vos também de bons cajados e perlustrai montanhas, parando para observar os gordos besouros a sugar o mel das flores inocentes, que desmaiam de prazer e logo renascem mais vivas, relubrificadas pela seiva da terra. Parai diante dos Véus-de-Noiva que se despencam virginais, dos altos rios, e ride ao vos sentirdes borrifados pelas brancas águas iluminadas pelo sol da serra. Respirai fundo, três vezes o cheiro dos eucaliptos, a exsudar saúde, e depois ponde-vos a andar, para frente e para cima, até vos sentirdes levemente taquicárdicos. Tomai então uma ducha fria e almoçai boa comida roceira, bem calçada por pirão de milho. O milho era o sustentáculo das civilizações índias do Pacífico, e possuía status divino, não vos esqueçais! Não abuseis da carne de porco, nem dos ovos, nem das frituras, nem das massas. Mantende, se tiverdes mais de cinqüenta anos, uma dieta relativa durante a semana a fim de que vos possais esbaldar nos domingos com aveludadas e opulentas feijoadas e moquecas, rabadas, cozidos, peixadas à moda, vatapás e quantos. Fazei de seis em seis meses um check-up para ver como andam vossas artérias, vosso coração, vosso fígado. E amai, amigos meus! Amai em tempo integral, nunca sacrificando ao exercício de outros deveres, este, sagrado, do amor. Amai e bebei uísque. Não digo que bebais em quantidades federais, mas quatro, cinco uísques por dia nunca fizeram mal a ninguém. Amai, porque nada melhor para a saúde que um amor correspondido. Mas sobretudo não morrais, amigos meus!
[vinícius de moraes]
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e ontem estive, ainda perplexa, no terceiro velório do ano, desta vez na assembléia legislativa, entre noventa e nove por cento da gente pública deste estado, lembrando com pesar daquele dia de novembro passado, quando encontrei o dr. demócrito num almoço do conselho de integração social da faculdade e fiquei tão (bem) impressionada com o seu otimismo, com a sua personalidade vibrante e com o carinho e a deferência gratuitos com que ele se referiu ao fernando. penso que meu marido perdeu um grande patrão, e o ceará um grande homem. anda bem estranho este bissexto.

sábado, 19 de abril de 2008

conselho de cervantes

e, finalmente, sentiu que o mundo tinha dado uma volta completa ao redor de si mesma e sorriu, aliviada. tomou outra vereda, e pronto.
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resposta de caio f. (de fodástico) abreu às perguntas de vinícius (do post anterior): "Talvez um voltasse, talvez o outro fosse. Talvez um viajasse, talvez outro fugisse. Talvez trocassem cartas, telefonemas noturnos, dominicais, cristais e contas por sedex (...) talvez ficassem curados, ao mesmo tempo ou não. Talvez algum partisse, outro ficasse. Talvez um perdesse peso, o outro ficasse cego. Talvez não se vissem nunca mais, com olhos daqui pelo menos, talvez enlouquecessem de amor e mudassem um para a cidade do outro, ou viajassem juntos para Paris (...) talvez um se matasse, o outro negativasse. Seqüestrados por um OVNI, mortos por bala perdida, quem sabe. Talvez tudo, talvez nada."

terça-feira, 15 de abril de 2008

o amor por entre o verde

Não é sem freqüência que, à tarde, chegando à janela, eu vejo um casalzinho de brotos que vem namorar sobre a pequenina ponte de balaustrada branca que há no parque. Ela é uma menina de uns 13 anos, o corpo elástico metido nuns blue jeans e num suéter folgadão, os cabelos puxados para trás num rabinho-de-cavalo que está sempre a balançar para todos os lados; ele, um garoto de, no máximo, 16, esguio, com pastas de cabelo a lhe tombar sobre a testa e um ar de quem descobriu a fórmula da vida. Uma coisa eu lhes asseguro: eles são lindos, e ficam montados, um em frente ao outro, no corrimão da colunata, os joelhos a se tocarem, os rostos a se buscarem a todo momento para pequenos segredos, pequenos carinhos, pequenos beijos. São, na sua extrema juventude, a coisa mais antiga que há no parque, incluindo velhas árvores que por ali espapaçam sua verde sombra; e as momices e brincadeiras que se fazem dariam para escrever todo um tratado sobre a arqueologia do amor, pois têm uma tal ancestralidade que nunca se há de saber a quantos milênios remontam. Eu os observo por um minuto apenas para não perturbar-lhes os jogos de mão e misteriosos brinquedos mímicos com que se entretêm, pois suspeito de que sabem de tudo o que se passa à sua volta. Às vezes, para descansar da posição, encaixam-se os pescoços e repousam os rostos um sobre o ombro do outro, como dois cavalinhos carinhosos, e eu vejo então os olhos da menina percorrerem vagarosamente as coisas em torno, numa aceitação dos homens, das coisas e da natureza, enquanto os do rapaz mantêm-se fixos, como a perscrutar desígnios. Depois voltam à posição inicial e se olham nos olhos, e ela afasta com a mão os cabelos de sobre a fronte do namorado, para vê-lo melhor e sente-se que eles se amam e dão suspiros de cortar o coração. De repente o menino parte para uma brutalidade qualquer, torce-lhe o pulso até ela dizer-lhe o que ele quer ouvir, e ela agarra-o pelos cabelos, e termina tudo, quando não há passantes, num longo e meticuloso beijo. Que será, pergunto-me eu em vão, dessas duas crianças que tão cedo começam a praticar os ritos do amor? Prosseguirão se amando, ou de súbito, na sua jovem incontinência, procurarão o contato de outras bocas, de outras mãos, de outros ombros? Quem sabe se amanhã quando eu chegar à janela, não verei um rapazinho moreno em lugar do louro ou uma menina com a cabeleira solta em lugar dessa com os cabelos presos? E se prosseguirem se amando, pergunto-me novamente em vão, será que um dia se casarão e serão felizes? Quando, satisfeita a sua jovem sexualidade, se olharem nos olhos, será que correrão um para o outro e se darão um grande abraço de ternura? Ou será que se desviarão o olhar, para pensar cada um consigo mesmo que ele não era exatamente aquilo que ela pensava e ela era menos bonita ou inteligente do que ele a tinha imaginado? É um tal milagre encontrar, nesse infinito labirinto de desenganos amorosos, o ser verdadeiramente amado... Esqueço o casalzinho no parque para perder-me por um momento na observação triste, mas fria, desse estranho baile de desencontros, em que freqüentemente aquela que devia ser daquele acaba por bailar com outro porque o esperado nunca chega; e este, no entanto, passou por ela sem que ela o soubesse, suas mãos sem querer se tocaram, eles olharam-se nos olhos por um instante e não se reconheceram. E é então que esqueço de tudo e vou olhar nos olhos de minha bem-amada como se nunca a tivesse visto antes. É ela, Deus do céu, é ela! Como a encontrei, não sei. Como chegou até aqui, não vi. Mas é ela, eu sei que é ela porque há um rastro de luz quando ela passa; e quando ela me abre os braços eu me crucifico neles banhado em lágrimas de ternura; e sei que mataria friamente quem quer que lhe causasse dano; e gostaria que morrêssemos juntos e fôssemos enterrados de mãos dadas, e nossos olhos indecomponíveis ficassem para sempre abertos mirando muito além das estrelas.
[vinícius de moraes]
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... porque eu sou como a mulher perfeita do vinícius... eu não venho, eu surjo... eu não vou, eu parto... e talvez eu tenha aquela capacidade de emudecer subitamente e de se fazer beber o fel da dúvida... talvez!

domingo, 13 de abril de 2008

é preciso amar as pessoas como se não houvesse o amanhã...

... porque se você parar pra pensar, na verdade não há.
sexta fui ao tja assistir ao espetáculo de bruce gomlevsky como renato russo. em poucas palavras: original, nostálgico, denso e emocionante. saí tocada do teatro e com a sensação de que mereço mais noitadas culturais do que esta cidade é capaz de me oferecer. afinal, aquelas peças com os globais de terceiro escalão no celina queiroz definitivamente estão muito aquém das minhas expectativas. a companhia era boa, adulta e intelectualmente compatível, de maneira que a esticada no rosso e a garrafa de vinho chileno levaram a digressões muito interessantes. ando quase convicta de que um programa que aguça a sensibilidade cumulado a uma pequena dose de álcool leva às observações mais oportunas. no final da noite, depois de uma entusiasmada discussão, cheguei à conclusão de que, dadas as circunstâncias que podem levar a uma traição, homens e mulheres são igualmente passíveis de cometer uma infidelidade conjugal, e de que o que leva à estatística de que os homens traem mais do que as mulheres nada tem a ver com o velho mito das necessidades orgânicas, mas com o fato de que as mulheres são seres superiores e traem menos porque precisam de envolvimento emocional.
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triste a consumição que levou renato, cazuza, tim, vinícius e tantos outros para quem a realidade era dolorosa demais. consolo é apenas a constatação de que todos eles estão mais vivos do que muitos de nós.
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"então é isso o amor? essa coisa que nos faz acreditar que tudo vai ficar bem e que se desfaz, assim, de uma hora para outra?".

quarta-feira, 9 de abril de 2008

sorte do dia:

"hoje você vai ver um biscoito da sorte que nunca viu antes."

como assim, bial??? hellou!!!
não sei por que insisto com o orkut.

cadê o pó de chocolate que estava aqui?

não sei. quem sabe? vai saber! não sei como será o amanhã, nem quem eu serei. muito menos sei quem você será. não sei se vou estar viva, se vou estar aqui, se vou para longe e, neste caso, se darei notícias. não sei se manterei os cabelos longos, se terei filhos ou se vou desistir do cachorro. não sei se tudo estará do meu gosto. não sei quem eu ainda vou conhecer, ou desconhecer, nem quem eu vou perder de vista. não sei quanta gente ainda vai entrar e sair da minha vida. não sei se serei uma grande professora, nem se farei um doutorado. não sei se manterei discos e livros e, os mantendo, não sei se os ouvirei ou os relerei com freqüência. não sei se manterei o velho hábito de sentir saudades de tudo e de cultivar o passado. não sei se me curarei deste mal a custa de cervantes ou de psicanálise, ou se esta será, afinal, a minha incontornável sina de canceriana. não sei como verei este dois mil e cinco de outro ângulo, como vou avaliar as minhas escolhas, nem como vou me olhar no espelho daqui a alguns anos. não sei se terei terminado meus cursos de francês e alemão, se conhecerei a grécia e o egito, se voltarei a madrid, nem se um dia caminharei sozinha de novo pelo retiro. não sei. não sei qual será o dia mais feliz da minha vida, nem o mais triste - porque tenho a impressão de que nem um, nem outro, chegou ainda. não sei como sobreviverei a determinadas perdas, nem se sobreviverei a elas. não sei quantas surpresas a vida ainda me reserva. não sei quantos carnavais e quantos natais tenho pela frente. não sei quantas luas cheias eu ainda hei de ver. não sei quantos banhos de mar, nem quantos banhos de chuva ainda hei de tomar. não sei por quanto tempo meu relógio amarelo ainda vai continuar marcando os meus minutos. não sei de nada. só sei que os dias vão se seguindo, coisas estranhas vão acontecendo, lembranças vão se acumulando, o pó de chocolate vai acabando e eu vou indo, tocando pra frente, fazendo pequenas escolhas diárias que se transformarão em grandes escolhas definitivas quando eu as olhar mais adiante. a vida vai passando assim, sem que tenhamos dela muita consciência. apenas o discernimento indispensável para seguir em frente, além e apesar de tudo o que vai ficando para trás. porque o que vem depois pode ser surpresa, pode ser alegria, pode ser tristeza, pode ser dor, pode ser beleza, pode ser o que for, mas precisa ser vivido, precisa ser cumprido, precisa ser aceito. porque ou a gente aceita a vida ou é infeliz, já diria cazuza. ontem é lembrança. hoje é realidade. amanhã é mistério.
[mais uma da série "republicando o passado"]
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constatação: três anos se passaram e quase todas essas questões permanecem irrespondidas. a vida continua um misto de saudade, esperança e incógnita.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

lado a lado b

escolher é, talvez, o mais difícil de todos os verbos que temos que conjugar na vida. desde pequenos, em nossas infâncias burguesas, fomos sendo preparados pela vida para escolher - ainda que não tivéssemos consciência disso na maior parte das vezes. escolher entre a bicicleta ou o video game na cartinha do papai noel era já um exercício preparatório para uma vida de escolhas que nos aguardava - dos mais fáceis, diga-se de passagem. ainda na infância, alguns de nós tiveram de fazer uma primeira dura e definitiva escolha: morar com o papai ou com a mamãe - primeira geração que fomos depois da lei do divórcio, de 1977. felizmente, não foi o meu caso, pero bueno... ao longo da vida temos de escolher entre tantas coisas: em que colégio estudar (às vezes nossos pais ou irmãos mais velhos escolhem por nós!); deixar ou não as aulas de piano; que faculdade fazer; sair ou não naquela noite de sábado definitiva; aceitar ou não aquele convite para jantar; sair ou não da casa dos pais; aceitar ou não aquela oferta de emprego; com quem morar junto; com quem casar; com quem ter filhos - isso depois de escolhermos entre tê-los ou não tê-los. e a maioria dessas escolhas - apesar de não termos consciência na hora - são mais definitivas do que imaginamos. escolher uma coisa significa preterir outra, sempre. não dá para colocar o lado a e o lado b para tocar ao mesmo tempo. não do mesmo disco e na mesma vitrola. é uma questão física. escolher a bicicleta pressupõe desistir do video game. morar com a mamãe significa ver o papai só nos fins de semana. estudar no colégio x determina que aquelas pessoas a quem primeiro chamaremos de amigos não serão as do colégio y. escolher a faculdade de direito significa que muito provavelmente jamais seremos biólogos. sempre podemos fazer outra faculdade - alguns pensarão - mas a verdade é que as folhinhas do calendário caem depressa demais e tudo vai ficando mais difícil. olhando para trás certamente lembraremos das bifurcações definitivas de nossos caminhos. aqueles momentos incrivelmente especiais em que tivemos de optar por virar à direita ou à esquerda - instantes que fizeram toda a diferença. ser feliz - me parece - não é muito mais do que ter aquela sensação de ter feito as escolhas certas no caminho da vida. ou do que ter a coragem e a disposição necessárias para voltar atrás quando percebemos que fizemos a escolha errada. por isso é que existem as segundas faculdades, os segundos empregos, os segundos casamentos, e os terceiros e os quartos... pensemos nisso!
o que não dá pé é ficar em cima do muro, colocar o lado a para tocar e ficar cantarolando as músicas do lado b... é o difícil exercício diário de inteireza ao qual todos nós deveríamos nos dedicar com mais afinco.
[escrito e publicado em 2004, num blog meu já falecido]
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e me vem sempre a máxima do amor fati de nietzsche: "escolhe o teu destino, ama o teu destino."

sábado, 5 de abril de 2008

prefixo des

"não, o melhor é não falares, não explicares coisa alguma.
tudo agora está suspenso. nada agüenta mais nada.
e sabe Deus o que é que desencadeia as catástrofes,
o que é que derruba um castelo de cartas! não se sabe...
umas vezes passa uma avalanche e não morre uma mosca...
outras vezes senta uma mosca e desaba uma cidade."
[mário quintana]
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cada dia me convenço mais: a vida tem vontade própria.

impressões (tardias e resumidas) de são luís

as marés de são luís são uma metáfora da impermanência da vida,
o guaraná é gay e as ruas cheiram a história e excrementos humanos.

terça-feira, 1 de abril de 2008

pois é

[i know what you did last summer.]