segunda-feira, 14 de julho de 2008

liberté, égalité, fraternité!!!

VIVA A REVOLUÇÃO FRANCESA!
[e viva eu neste 14 de julho!]

quarta-feira, 9 de julho de 2008

a vida continua...

todo o operacional após a morte de alguém é muito cruel. fazer parte deste processo tem me matado um tantinho também. e eu me pergunto: para quantas pessoas neste mundo somos verdadeiramente insubstituíveis?
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- agora a gente já pode fazer as reservas dos hotéis de praga, londres e lisboa.
- pois é. e é bom a gente ligar para a joinha para saber se vamos ter de cancelar aquela primeira diária em paris.
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às vezes a vida nos permite uns diálogos bem improváveis.

domingo, 6 de julho de 2008

carpe diem

cruzamo-nos pela última vez na escadaria de acesso restrito onde habitualmente professores e funcionários se encontram ao percorrerem, invariavelmente apressados, sentidos opostos. era quarta(talvez quinta)-feira desta semana. já nem me lembro se era eu quem subia ou descia naquela oportunidade. lembro-me apenas de havermos trocado, como de costume, rápidas palavras cordiais de saudação e despedida, e de sentir-me levemente constrangida com a minha incurável mania de encurtar, em tom de intimidade, o nome de pessoas pelas quais nutro tímido, mas real, apreço. se eu soubesse que não mais o veria com vida, certamente teria lhe dado um abraço e falado do prazer que tinha sido encontrá-lo, como colega de ofício, nesta fugaz existência.
uma semana antes tínhamos tido a oportunidade de conversar com um pouco mais de calma, sentados que estávamos na coordenação, onde ele tinha ido verificar os horários do semestre que vem – semestre que, a despeito de todo o planejamento, ele não mais lecionará. na ocasião, lembro-me de havê-lo indagado o porquê de tanta pressa, de tanta atividade simultânea, sem entender exatamente como ele conseguia tempo para coordenar um curso de direito numa faculdade e dar aulas em duas outras, com o agravante de localizar-se uma delas fora da capital. em resposta ele me disse, com a ansiedade comum a todos aqueles que instintivamente pressentem o pouco tempo de que dispõem neste plano, que eu esquecia ainda da militância como advogado, do envolvimento freqüente em atividades da oab e do rotary, da esposa e do pequeno arthur, e da paixão pelo pára-quedismo, herança familiar do avô militar. lembro-me de havê-lo ligeiramente repreendido, destacando o perigo desnecessário dessa prática esportiva.
ontem ele foi a primeira pessoa que me veio à cabeça ao acordar. como coordenadora, sentia-me responsável por adverti-lo a respeito do cancelamento da disciplina de férias que ele daria na faculdade a partir de amanhã. a cancelamos por não contarmos, até o final do dia da última quinta-feira, com o número mínimo de alunos matriculados que justificasse o fechamento da turma. sabendo que ele estava em são paulo, e imaginando que talvez ele tivesse programado retornar no domingo apenas em função do início das aulas, quis oportunizar uma extensão da viagem, se ele assim entendesse conveniente. minha primeira providência do dia, portanto, foi enviar-lhe um e-mail avisando – e-mail que, a julgar pela ausência de resposta, ele jamais chegaria a ler. mal sabia eu, então, que caberia a mim, como última providência daquele mesmo sábado, enviar outro e-mail, desta vez para a larga lista de nossos docentes, comunicando a triste notícia de seu falecimento prematuro.
dona morte anda solta neste bissexto estranho e parece-me bastante prudente que a tratemos com toda a deferência. desafiá-la com saltos de pára-quedas e outras imprudências é de todo desaconselhável. dona vida, de sua parte, mostrou-se uma vez mais impermanente e imprevisível, e deixou-nos a todos consternados e a mim, em especial, (over)pensativa.
episódios como esse nos lembram, inevitavelmente, de nossa própria mortalidade. nos fazem repensar a vida e a maneira como a estamos conduzindo. deveria-nos mudar radicalmente o foco, as prioridades, o timing. mas não mudam mais do que por alguns poucos dias, o que eu avalio como uma tosca característica de nossa imperfeita humanidade. enquanto o sentimento está bem fresco, escrevo para eternizar minha impotência absoluta diante do imponderável, minha incalculável tristeza íntima de lembrar que cada dia desta vida é mais um dia a menos que um dia a mais. escrevo também, queridos, para pedir-lhes, como vinícius, que tomem vento, que tomem tento, que vivam o hoje, que amem em tempo integral, que se cuidem muito, que peçam proteção divina e que não se esqueçam que "esta vida é uma estranha hospedaria, de onde se parte quase sempre às tontas, pois nunca as nossas malas estão prontas, e a nossa conta nunca está em dia."

quarta-feira, 2 de julho de 2008

il y a toujours quelque chose d´absent qui me tourmente

paris — toda vez que chego a paris tenho um ritual particular. depois de dormir algumas horas, dou uma espanada no rodenirterceiromundista e vou até notre-dame. acendo vela, rezo, fico olhando a catedral imensa no coração do ocidente. sempre penso em joana d’arc, heroína dos meus remotos 12 anos; no caminho de santiago de compostela, do qual notre-dame é o ponto de partida — e em minha mãe, professora de história que, entre tantas coisas mais, me ensinou essa paixão pelo mundo e pelo tempo. sempre acontecem coisas quando vou a notre-dame. certa vez, encontrei um conhecido de porto alegre que não via pelo menos há 20 anos. outra, chegando de uma temporada penosa numa londres congelada e aterrorizada por bombas do IRA, na época da guerra do golfo, tropecei numa greve de fome de curdos no jardim em frente. na mais bonita dessas vezes, eu estava tristíssimo. há meses não havia sol, ninguém mandava notícias de lugar algum, o dinheiro estava no fim, pessoas que eu considerava amigas tinham sido cruéis e desonestas. pior que tudo, rondava um sentimento de desorientação. aquela liberdade e falta de laços tão totais que tornam-se horríveis, e você pode então ir tanto para botucatu quanto para java, budapeste ou maputo — nada interessa. viajante sofre muito: é o preço que se paga por querer ver “como um danado”, feito Pessoa. eu sentia profunda falta de alguma coisa que não sabia o que era. sabia só que doía, doía. sem remédio. enrolado num capotão da segunda guerra, naquela tarde em notre-dame rezei, acendi vela, pensei coisas do passado, da fantasia e memória, depois saí a caminhar. parei numa vitrina cheia de obras do conde saint-germain, me perdi pelos bulevares da ile de la cité. então sentei num banco do quai de bourbon, de costas para o sena, acendi um cigarro e olhei para a casa em frente, no outro lado da rua. na fachada estragada pelo tempo lia-se numa placa: “iI y a toujours quelque chose d’absent qui me tourmente” (existe sempre alguma coisa ausente que me atormenta) — frase de uma carta escrita por camille claudel a rodín, em 1886. daquela casa, dizia a placa, camille saíra direto para o hospício, onde permaneceu até a morte. perdida de amor, de talento e de loucura. fazia frio, garoava fino sobre o sena, daquelas garoas tão finas que mal chegam a molhar um cigarro. copiei a frase numa agenda. e seja lá o que possa significar “ficar bem” dentro desse desconforto inseparável da condição, naquele momento justo e breve — fiquei bem. tomei um calvados, entrei numa galeria para ver os desenhos de egon schiele enquanto a frase de camille assentava aos poucos na cabeça. que algo sempre nos falta — o que chamamos de Deus, o que chamamos de amor, saúde, dinheiro, esperança ou paz. sentir sede, faz parte. e atormenta. como a vida é tecelã imprevisível, e ponto dado aqui vezenquando só vai ser arrematado lá na frente, três anos depois fui parar em saint-nazaire, cidadezinha no estuário do rio loire, fronteira sul da bretanha. lá, escrevi uma novela chamada bem longe de marienbad, homenagem mais à canção de barbara que ao filme de resnais. uma tarde saí a caminhar procurando na mente uma epígrafe para o texto. por “acaso”, fui dar na frente de um centro cultural chamado (oh!) camille claudel. lembrei da agenda antiga, fui remexer papéis. e lá estava aquela frase que eu nem lembrava mais e era, sim, a epígrafe e síntese (quem sabe epitáfio, um dia) não só daquele texto, mas de todos os outros que escrevi até hoje. e do que não escrevi, mas vivi e vivo e viverei. pego o metrô, vou conferir. continua lá, a placa na fachada da casa número 1 do quai de bourbon, no mesmo lugar. quando um dia você vier a paris, procure. e se não vier, para seu próprio bem guarde este recado: alguma coisa sempre faz falta. guarde sem dor, embora doa, e em segredo.
[caio fernando abreu]
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porque poucas coisas são melhores do que ir a paris. voltar a paris certamente é uma delas.