quarta-feira, 5 de agosto de 2009

as meninas e eu

“O quadro está de costas e está de frente: de costas para você (que o vê por trás ao lado esquerdo) e de frente para Velásquez que o pinta. Mas a verdade é que está de frente para você e já está pintado. Aliás, desde 1656. Não obstante, Velásquez (você o vê) o está pintando. São duas faces do tempo numa mesma superfície de tela.
Aparentemente, você está atrás do quadro e de frente para o pintor, que tem ao lado o seu motivo: a infanta e as damas de companhia, que ele pinta. Mas não as pinta diretamente: pinta a imagem delas refletida no espelho – um espelho que não se vê, de cuja existência se sabe apenas pelas coisas que reflete: o pintor, as meninas e as mulheres, o cão e também, lá no fundo, um homem que se detém numa escada; ao seu lado, refletidas noutro espelho pequeno, as imagens do rei e da rainha, que entraram na sala, no outro extremo do aposento, fora de nossa vista. Assim, o quadro contém o que se vê e o que não se vê, num jogo de espelhos e de espaços e tempos. É o quadro dentro do quadro, imagens de imagens. Realidade e ilusão se confundem. Miragem, pintura...
Um momento da vida, mínimo episódio da história humana – pessoas que, numa sala, posam para um pintor que as retrata – ali, na Espanha, num certo dia do século XVII. E parece uma visão irreal esta cena real (com sua doce luz) que Velásquez fixou na tela para sempre. Mas que, na vida, se desfez naturalmente em seguida, como qualquer outra, entre palavras e risos talvez.”
[Ferreira Gullar]

em minhas andanças pelos meus blogstars, li o que milena escreveu sobre ferreira gullar e seu livro relâmpagos. [ela nem imagina – porque comento menos do que leio por lá – mas o seu nenhum lugar já me fez agregar algumas (belas) obras à minha humilde biblioteca particular. hoje mesmo, ao ir à siciliano para comprar um livro de presente de dia dos pais para o meu (a ciência de leonardo da vinci, de fritjof capra), voltei com o livro amarelo do terminal, de vanessa bárbara, que havia sido indicado por ela aos amantes de são paulo no post de 29 de junho.] ao contrário de milena, adoro tudo em ferreira gullar. as palavras que saem de sua boca ou de suas mãos sempre me chamaram a atenção e me fizeram refletir. outro dia mesmo (12 de abril deste ano) postei um trecho de uma entrevista dele para a revista bravo!, que li no avião num vôo entre fortaleza e são paulo. no nenhum lugar de milena acessei o link para os relâmpagos digitalizados de gullar, e me deliciei com suas percepções sobre algumas obras de arte. como não poderia deixar de ser, fiquei encantada com o que ele escreveu sobre as meninas de velásquez, especialmente quando ele imagina o desfazimento natural da cena eternizada pelo pintor; a fugacidade do presente que vira passado, a cada efêmero segundo que passa, na vida de todos nós, reis e plebeus. fiquei lembrando das tantas tardes que passei diante deste e de outros tantos quadros, no prado, em madrid. era 1995 e meu programa das tardes de los miércoles (quartas-feiras) - dia em que eu não tinha aula de flamenco - era pegar o metrô até o retiro, onde ficava algumas horas a ler e escrever cartas (que vinham do ou iam para o brasil), invariavelmente sentada no banco diante do grande estanque, observando os passantes, imaginando suas vidas, tomando uma coca-cola de lata ou comendo uma barra de chocolate das grandes. quando não havia cartas, lia paula, de isabel allende, no original espanhol, pela primeira vez. naquele então eu era apenas uma menina de 18 anos e como todas as meninas de 18 anos guardava a ingênua pretensão de conhecer a vida e o amor. eu acabara ser apresentada aos primeiros traços da independência e foi naqueles dias que conheci o prazer da minha própria companhia, de que nunca mais abriria mão. saindo do retiro pela calle de alcalá, virava à esquerda no paseo del prado, e caminhava até o museu, por onde entrava sempre pela porta de goya, já que a de velásquez (a principal) estava sendo restaurada. e ali eu ficava horas, olhando nos quase sempre perturbadores olhos das pessoas retratadas, atenta para a possibilidade de flagrar um leve movimento nas quase vivas mãos de el greco, admirando a tenacidade dos estudantes de arte, que esquadrinhavam cada milímetro quadrado das obras, na vã tentativa de reproduzi-las com perfeição e com a íntima certeza de que jamais o conseguiriam. tão bonitas e raras aquelas quartas-feiras...
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... e nesta quarta, completando o meu momento jesuismechicoteia, fui assaltada pela primeira (e queira Deus última) vez na vida. saía do pilates, a caminho do trabalho, e ao entrar no meu carro, antes dos dois segundos até que as portas sejam automaticamente travadas, um cidadão que sabe o diabo de onde saiu entrou pela porta traseira esquerda e anunciou o assalto. foi horrível e a sensação de impotência e de tristeza por viver neste país de merda naturalmente ainda estão muito presentes e perdurarão por alguns dias. no entanto, dadas as circunstâncias, que poderiam perfeitamente ter me colocado em situações bem piores, não me dou o direito de reclamar. vão-se os R$ 52, o celular e toda a minha agenda de telefones e ficam os documentos, os cartões de crédito e a vontade de ir embora daqui para um país de gente levando todo mundo que amo junto. estejam sempre atentos, queridos, ao aqui e ao agora. não se deixem engolir pelo corre-corre do dia-a-dia, pelas preocupações e tensões dos momentos a seguir. tomem vento, tomem tento, chamem são miguel, e peçam proteção.

4 comentários:

  1. Eu começo divagando com teu post e termino com cara de susto!
    Primeira parte:Gente,eu te imaginei com 18 anos(mesmo) e senti uma "médio tristeza" pelos famosos "imperativos categóricos" da idade já falados por ti.
    Deve ter sido a adolescente mais inquieta intelectualmente/emocionalmente falando.
    Segunda parte:tu tá bem?Eu,ainda, faço parte do,cada vez mais raro,grupo de pessoas "virgens" no assunto.Graças a Deus!

    bjo

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  2. ê, tró! um banho de mar em são salvador pra você, viu?

    pode tratar de pegar meu telefone comigo, que eu tô indo pra bahia nesse final de semana na vontade do nosso sorvete.

    :*

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  3. Graças a Deus e ao escudo de São Jorge - sob o qual te escondi dias atras! - o que te resta dessa experiência infame é só praguejar contra a impunidade desse país de merda.

    Passada a revolta inevitável, que bom que foi só um susto, amada.

    bjs meus
    (recitando novamente a oração, só pra garantir... )

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  4. afffffffffffff... li tudinho, mas fiquei mesmo foi com cara de susto....

    que São Miguel esteja sempre com vc, tri

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